quinta-feira, 20 de junho de 2013

A ESFINGE DA REBELDIA POPULAR: "DECIFRA-ME OU TE DEVORO!"


José Alex Soares Santos

20.06.2013

 Um dos fatos mais importantes sobre a revolta atual é simplesmente que ela ocupa as ruas e criou uma
identificação espiritual com  os desabrigados.
(Mike Davis)

[...] Os novos movimentos sociais são reverberações radicais do capitalismo financeiro senil.
(Giovanni Alves)

Muitas pessoas decentes estão presas a um sistema que está completamente podre.
(David Harvey).

Um grande ponto de interrogação foi cravado nas últimas semanas em toda a opinião pública brasileira, nos mass media, nos analistas políticos, representantes de partidos políticos etc. etc. Todos buscam uma explicação para o que vem acontecendo no país. Nos deparamos com pessoas atônitas que perguntam: "para onde estamos caminhando?" "O que virá depois?" Estas perguntas vão de encontro as inquietações de um sociólogo do trabalho, ao analisar o Occupy - ocorrido em 2011 em que uma onda de mobilizações e protestos sociais ganharam o mundo:

[..] Terão os movimentos sociais de indignados capacidade de elaborar em si e para si uma plataforma política mínima capaz de exercitar a hegemonia social e cultural, preparando-se para uma longa "guerra de oposição" e acumulando forças sociais e políticas sob o cenário da barbárie social e do capitalismo manipulatório?

[...] até que ponto seriam eles efetivamente capazes de fazer história numa perspectiva do além do capitalismo que, em si e para si, é incapaz de incorporar as demandas sociais do precariado, tendo em vista a nova fase do capitalismo histórico imerso de contradições sociais intensas? (ALVES, 2012, p. 37-38)

Nesse momento, o que está acontecendo no Brasil faz com que resgatemos tais questões, pois quem poderia prever a repentina proliferação de um movimento pela redução da tarifa nas passagens do transporte coletivo brasileiro, ao estilo de uma planta selvagem, conseguir se alastrar e alterar a rotina de comodismo que pairava sobre o cotidiano das pessoas nas cidades brasileiras.
A imediatez da mídia conservadora de plantão, sem muito tempo de reflexão inicia o seu arrazoado costumeiro com o foco na criminalização. Os manifestantes que ganharam as ruas, foram apontados como "grupelhos" pelo editorial de um grande jornal impresso. "Terroristas", por uma revista semanal de circulação nacional, "baderneiros" e "vândalos" por vários telejornais de horário "nobre". Um certo governador, ligado a Opus Dei, repetiu em uma entrevista a mesma cantilena. Um prefeito, com diploma de cientista político, por uma das mais renomadas universidades brasileiras, ao mostrar-se para o público não sinalizou nenhuma disponibilidade para a negociação. No entanto, na dialética dos fatos essas vozes do discurso hegemônico perderam seu eco, não contiveram e nem intimidaram a população indignada. Veio a força repressora do choque, mas teimosamente a população continuou a aumentar suas fileiras nas ruas, em marcha contra a opressão e também a repressão. Evidentemente que, em meio, a polvorosa massa rebelde, esteios de fascismo social surgem, o que mostra o espectro de um movimento constituído por uma densa e complexa diversidade social.
Com o passar dos dias, ao revelar-se com conotações pacíficas, por recusar táticas violentas e ilegais, as ações do movimento fez a grande mídia recuar com seu discurso hegemônico, fascista e ultraconservador. Alguns apresentadores, de forma cínica e demagógica, começam a admitir que são protestos justos, desde que os manifestantes hajam pacificamente, apesar de ressaltarem em demasia a atitude dos pequenos grupos, que sob seus julgamentos, promovem o vandalismo e a depredação da propriedade, seja pública ou privada. Governos municipais e estaduais abrem a guarda e tentam em uma medida desesperada reduzir tarifas no transporte coletivo.
Tais medidas pontuais, já não atendem mais o pano de fundo da rebeldia popular que coloca como pauta o sistema educacional, o sistema de saúde, os gastos exorbitantes nos megaeventos e a desastrosa política econômica, baseada em cortes nos gastos sociais e de subserviência aos interesses das grandes corporações. Aqui cabe a indagação: mas, qual o significado de ser pacifista em um conflito de classes declarado, tal como esse se apresenta? Nesse sentido, o que vem acontecendo e ganhando força em todo Brasil deve ser canalizado na direção de um projeto socialista e comunista, já que de acordo com Alves (2011, 36), acreditamos que:

 [...] o que predomina entre os manifestantes é um modo de consciência contingente capaz de expor, com indignação moral, as misérias do sistema sociometabólico do capital, mas sem identificar suas causalidades histórico-estruturais (o que significa que não haja os mais diversos espectros de ativistas anticapitalistas).


Esse aspecto torna o mais fascinante pelo seu caráter internacionalista embrionário. Informações da grande mídia sinalizam que estão sendo organizadas manifestações em mais de 50 cidades espalhadas pelo mundo em apoio aos brasileiros e as brasileiras que resolveram sair de suas casas, ganhar as ruas e mostrar sua indignação com múltiplas expectativas, aspirações e fantasias pretéritas, passadas e futuras de emancipação social com alto teor de nebulosidade, ou seja, ainda não discernidas na forma de um projeto político coeso.
Acompanhando pela mídia e participando de algumas manifestações do referido movimento de definição imprecisa, sem desmerecer as ações históricas do Movimento Passe Livre - MPL e sua iniciativa atual, lembrei-me dos versos de Eugéne Pottier (1871), que parecem escritos ontem para ampliar a compreensão sobre o que está acontecendo no "país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza":

De pé ó vítimas da fome
De pé famélicos da terra
Da ideia a chama já consome
A crosta bruta que a soterra
Cortai o mal bem pelo fundo
De pé, de pé, não mais senhores
Se nada somos em tal mundo
Sejamos todos ó produtores.

Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional
Senhores patrões chefes supremos
Nada esperamos de nenhum
Sejamos nós que conquistamos
A terra mãe livre comum
Para não ter protestos vãos
Para sair deste antro estreito
Façamos com nossas mãos
Tudo o que a nós nos diz respeito. 

A atualidade dos versos de um dos sobreviventes da Comuna de Paris, nos oferece  uma ligeira impressão que seu autor está a conclamar a massa de brasileiros, para a composição da Internacional contra o quadro de barbárie que impregna a ordem burguesa em uma luta pautada pelo bem comum e uma sociedade, transitoriamente socialista e posteriormente comunista.
 Continuemos nas ruas a construir a luta do lado daqueles e daquelas que indignados (as) se rebelam contra o estado de barbárie social do capitalismo global em sua fase senil. Com base nessa premissa, uno minhas reflexões as de um grande camarada e poeta,  ajuntando-me como um dos que acredita que a luta se faz também com poesia:

Que fazer se penso apenas em
catástrofes?
Que fazer se alimento utopia
com peixes que saltam de mares mortos?

Que fazer se vejo, demente, o germe do futuro
se alimentar dos restos podres do presente?
[...]

Mesmo que o fim do século
me soterre nas areias da velha ampulheta
reafirmarei num último suspiro
que é o novo que enfim floresce,
que havemos de virá-la pelo avesso
para que do tempo assassinado
um novo tempo recomece. (IASI, 2011, p. 74).

Parece que, nas últimas semanas, a população brasileira virou ao avesso a velha ampulheta do comodismo e do silêncio sepulcral, assassinando o tempo do consentimento para recomeçar um novo momento, pintado de rebeldia e luta por direitos sociais que a velha política oligárquica e autocrática tentava e tenta jogar no limbo. Todos e todas às ruas e o mais importante, marchando para a construção de uma sociedade em que possamos compartilhar com igualdade as riquezas materiais, os prazeres e a fruição proporcionados pelo trabalho coletivo. Será que isso é prelúdio do comunismo?
Aux armes citoyens, formez vos bataillons. Marchons! Marchons!  

ALVES, Giovanni. Ocupar Wall Street... e depois?.  In: HARVEY, David. et. al. OCCUPY: movimentos de protestos que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo/Carta Maior , 2012. p. 31-38.

IASI, Mauro L. Meta amor  fases: coletânea de poemas. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

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